“… O importante é começar”

“… O importante é começar”[1].

 

Porto, FBAUP, 26 de Maio de 2011. Aula aberta, “Oralidade, Futuro da Arte”, orientada por Isabel Alves, coordenadora do CEMES.

A pretexto da obra e da vida de Ernesto de Sousa (1921-1988), personagem incontornável de uma cultura que situamos num universo sem divisões constritoras ou, como diria o próprio E S, alheio a um “centro consolador”, reuniu-se uma assistência eclética, com um denominador comum: uma ávida expectativa.

No auditório do pavilhão sul, coalhado da penumbra necessária, este anseio foi plenamente recompensado por um desfiar ininterrupto e luminoso de memórias que testemunham um passado ainda recente, mas também documentos vivos de acutilante actualidade. Geradores, agora e aqui, da mesma emoção que agitou o marasmo de um presente, a sua época, apelando à necessidade inadiável de pensar um devir. Um futuro continuado e ainda em aberto que não escusa, no entanto, o passado, sobretudo o originário, e a “tradição”.

Imagens impressivas, diapositivos, fotografias e pequenos vídeos, mediadas pelas curtas intervenções da voz pausada de Isabel Alves, que partilhou durante vinte e três anos a vida e a “festa” com Ernesto de Sousa. Só os comentários necessários para não ferir o seu poder evocatório e os sentidos e sentires daí advindos que cada um extraiu a seu modo.

Ernesto de Sousa, o “operador estético”, como se autodenominou, o “detonador” e “militante cultural”, assim nomeado, respectivamente, por Álvaro Lapa e Eduardo Prado Coelho, seus companheiros numa “aventura”, a de “ser moderno em Portugal”. Congregando em torno do seu entusiasmo um conjunto impressivo de outros tantos viajantes imbuídos da mesma inquietude: os nacionais, Alberto Carneiro, Almada Negreiros, Ângelo de Sousa, Carlos Gentil-Homem, Dulce Drago, Fernando Calhau, Fernando Pernes, Helena Almeida, Jorge Peixinho, Julião Sarmento, Melo e Castro, os internacionais, Ben Vautier, Beuys, Bruno Munari, Filliou, Orlan, René Berger, Vostell, entre tantos outros. Ernesto de Sousa, José Ernesto para os amigos, o perturbador, o artista multidisciplinar, autor de Dom Roberto, 1962, filme premiado no Festival de Cannes, o comissário, mentor da icónica Alternativa Zero, Lisboa, 1977, o professor, ensaísta, crítico, membro da AICA, reabilitando à erudição expressões menosprezadas como as da arte popular de Rosa Ramalho ou Franklin[2], antevendo, também, o poder de uma rede virtual com Aldeia Global, 1987, projecto inconclusivo com o qual se debateu já ferido da ruína física que lhe cerceou a vida biológica. Arauto da transversalidade de saberes, Ernesto de Sousa foi sobretudo um Homem, cultor da amizade, da vida e do AMOR, palavra que ousou de modo impudico. Um homem que não se quis notado, “de ver o mundo sem nos vermos no mundo”[3].

Do mesmo modo, discreto e delicado, a figura notável de Isabel Alves geriu esta “aula aberta” posicionando-se onde sempre quis estar. Por detrás de uma tecitura de memórias, arquivo de provas documentais do qual é guardiã, muitas delas ainda inéditas, a aguardar a vinda ao público e o interesse das instituições. Faça-se-lhe também a história porque dela é meritória. Isabel foi, neste dia, e é, a seu modo, também uma agitadora. O nosso obrigado pela partilha.

 

Mª de Lurdes Cardoso – Nucha (texto)

Paulo T. Silva (foto)

 


[1] Citação de Almada Negreiros a Ernesto de Sousa, aquando dos preparativos do mixed-media, Almada, Um Nome de Guerra, 1969-1973, frase escolhida por Isabel Alves, para concluir a sua apresentação.

[2] Recomenda-se vivamente o acesso a www.ernestodesousa.com para um amplo reconhecimento da actuação do autor.

[3] Ernesto de Sousa em entrevista à RTP, 1982, coincidente com Pré Texto II, instalação de fotografias, textos e objecto (um avental manchado de tintas), Lisboa e Coimbra.