• 20.09.2011

Digo/desenho… o silêncio

Primeiro gesto. Tacteio na sua densidade e textura o conjunto de folhas que corporizam o texto: Oralidade, futuro da arte? Olho-lhe as palavras, pequenos signos negros e sequenciais, rasgando o branco imaculado que lhes restringe as fronteiras. Deambulo o olhar pelos “carreiros” definidos pelas palavras… Afiro-lhe um desenho. Segundo gesto. Inicio uma leitura, de lápis na mão como é meu hábito. Lápis que sublinha, circula, envolve, rasura, debuxa setas e opõe palavras, as minhas e manuscritas, às já impressas. Crio um desenho.

Em breve, o texto de Ernesto de Sousa assume-se como uma arena física e conceptual. Um lugar mapeado com a consciência de que o território em que E S o expande não possui referenciais e muito menos fronteiras.

Mapa que reside, agora, em sobrecarga no meu pensamento e onde me reencontro, no que me é mais familiar, eu e o meu quotidiano. Na alvura de um caderno pousado displicentemente na minha mesa de trabalho, em reserva, espelho onde me olho, apetência à marca, à impressão do gesto, à perseguição obcecada do fio que tece a palavra e o desenho. Ao registo de uma impossibilidade… A um “começo absoluto”.

Cartografia, onde me cruzo com as mãos de Isabel Alves (montagem da exposição A Tradição como Aventura, 1978). Mãos, laboriosas e mansas, devotas e disciplinadas, que avançam desdobrando o olhar que se debruça sobre elas. Urdindo palavras e imagens. Gestos de Amor. Onde reencontro o olhar apologético, globo vítreo, obstinado, febril, de E S, olhando o mundo, a sua tradição e o seu futuro, porque “tout ce qu’on regarde est faux” (Tristan Tzara). Onde revivo Almada e as palavras que me roubou antes de eu as dizer. Mapa de constelações feito da digladiação obstinada entre uma cosmografia infinita e a aguda consciência da finitude de um eu pensante e carnal.

E é nesta impotência que digo/desenho silêncio, que o grito como Almada, que o verbalizo com este gesto que aqui presentifico no seu mutismo impoluto de ser obra, um rasto já vago de uma síntese de operações mentais e corpóreas.

Porque “a palavra é um gesto e a sua significação um mundo”, como o disse Merleau-Ponty e o reiterou Ernesto de Sousa, e o desenho também.

Nucha Cardoso

Set.2011