• 20.09.2011

Intimate Place Experience

“O mais íntimo quotidiano é a Casa.” Ernesto de Sousa

 

A intertextualidade é indissociável da produção humana e inerente à linguagem. Fazemos, criamos e recriamos a partir daquilo que conhecemos, da nossa relação com o mundo e do modo como, individualmente, o experienciamos. O diálogo entre textos surge como um caminho para que a obra não se esgote em si mesma, mas cresça na sua relação de comunicação com outras produções, naquilo que acrescenta ou retira, naquilo que dissolve, contesta ou reafirma, num contexto de constante citação, apropriação e transformação do que já existe. Um discurso é, deste modo e invariavelmente, composto por toda uma série de outros discursos.

Esta contaminação de linguagens e comunicação dinâmica entre disciplinas acarretam a existência de processos transdisciplinares e interdependentes na construção da obra. Os discursos artísticos revisitam-se criticamente, impossibilitando, progressivamente, o seu enquadramento num único campo disciplinar estanque e incontestável.

Os conceitos de intertextualidade e transdisciplinaridade, presentes e explorados no texto de Ernesto de Sousa, Oralidade, futuro da arte? (1968) surgem, assim, como agregadores dos interesses de uma investigação teórico-prática que pretende abordar a relação complementar e de comunicação entre pintura e arquitetura através da cor como elemento primordial de composição, determinante no processo criativo e transformadora  dos espaços, suas representações e da percepção que temos deles.

ES concebia o anulamento de fronteiras entre as artes como futuro da arte, um futuro aberto a todas as possibilidades, contentor de discursos dialógicos que contribuem para o fim da produção isolada da obra de arte.

Intimate Place Experience reúne duas pinturas que pretendem consubstanciar esses conceitos essenciais: a pintura cita a arquitetura, apropria-se da linguagem arquitectónica e aborda questões do espaço e do lugar.

A pesquisa pictórica que preside a todo o processo procura conter uma outra linguagem na construção de espaços que convidam a uma experimentação intertextual: ver a pintura, habitar o espaço, explorar a dicotomia de se estar fora ou dentro, do que é público ou privado. Habitar a pintura, ocupá-la, criar um contexto imaginário de experimentação do lugar e da casa.

A casa surge como construção aparentemente habitável, embora  impossível, desconstruída e disfuncional. Existe uma contradição inerente à ideia de casa, simultaneamente presente e ausente nestas pinturas: a casa abriga, protege, dá-nos calor, conforto e uma vontade de regresso. Porém, aqui, são casas de ninguém, sem chão ou tecto, sem a capacidade contentora e enquadradas num espaço inabitado. A casa surge como exemplo paradigmático de abordagem ao lugar, às vivências pessoais e íntimas e à experiência emocional de habitar, ocupar e utilizar. Existe uma construção psicológica da casa que nos coloca numa zona de conforto e construção identitária, mesmo existindo estranhamento.

Ana Pais Oliveira

Set. 2011