• 20.09.2011

Play with bubbles – 2011

Como refletir sobre a construção de uma linguagem a partir do “grau zero”, do “antes da linguagem” que Ernesto de Sousa nos diz? Quais são as possíveis relações entre o grau zero da linguagem e a infância? Este trabalho dialoga com a perspectiva de Ernesto de Souza ao afirmar que a arte deve fazer com “que o espectador retome por sua conta o gesto cujo sentido se confunde com a estrutura do mundo”. Através da interação entre o produtor e o espectador, onde o primeiro será apenas alguém que propõe a brincadeira, o mais importante nessa ação, é a justamente as relações físicas, as conversas, as risadas, resultantes da interação entre os todos os participantes. Dessa forma iremos refletir sobre o rompimento possível do silêncio original apresentado por Ernesto de Sousa, desse silêncio que “há entre mim e outrem”. Para ele, a obra de arte teria que voltar a ser o verbo original, ou o grito responsável e comprometida com a sua própria aventura inauguradora do mundo. Romper com o silencio original e voltar à oralidade. Por se tratar de um trabalho híbrido de performance e pintura através das brincadeiras coletivas, aqui temos a presença de vários outros colaboradores e o sentido da obra justamente tem seu fundamento nessa presença, através da intersubjetividade. Onde o propositor da obra esteja exigindo a “escolha ativa do espectador” que irá apontar-nos “o verdadeiro caminho, aquele que faz do espectador um criador interlocutor autêntico”.

A performance tece relações entre o pensamento de Allan Kaprow no que diz respeito às relações entre arte e vida a partir de uma manifestação artística que têm como base as memórias da infância, nomeadamente as brincadeiras com bolhas de sabão.  No campo dos estudos performativos temos autores como Richard Schechner (jogo e performance), Antony Howell e Judith Butler (performance como comportamento restaurado). A “imitação” aqui é pensada na forma de um deslocamento, de uma transferência de ações na forma de mimetizar comportamentos e brincadeiras da infância que possuirão novos conteúdos. A partir do conceito de “play” proposto por Kaprow: “Jogar-brincar, porém, oferece satisfação, ainda que não em algum resultado prático assinalado, alguma realização imediata, mas, em vez disso, na participação contínua por si mesma”, busca-se o jogar-brincar desinteressado, que envolva alegria e prazer. O trabalho aqui apresentado conta com registros de pintura-impressão através da adição de pigmentos ao líquido utilizado na brincadeira das bolhas sobre papel (revestindo o ambiente) e o registro em vídeo. Com isso, buscou-se materializar algo que é por sua própria natureza, efêmero, a bolha e o próprio ato de gerar as bolhas, a brincadeira. O próprio ato de “soltar” as bolhas é prazeroso para quem o executa, sendo crianças ou adultos, pois através de um sopro ou do movimento do braço no ar, surgem as translúcidas e brilhantes bolhas, numa espécie de dança. No caso da pintura, temos o ato de pintar sem tocarmos a tela, pintar com tinta e ar, através do repouso da bolha sobre a superfície, e não no friccionar do pincel, um dripping de bolhas, uma bolha que se auto-representa, memórias do brincar.

Miguel Luiz Ambrizzi

Set. 2011